Monday, October 25, 2004

Onipresença

Houve um tempo em que eu tinha plena certeza de que a vida que eu levava era provisória, passageira. Eu era uma aprendiz percorrendo um caminho no qual os erros seriam ponderados e novas chances existiriam como exercícios, como práticas que levariam à perfeição.

O tempo me sobrava, a vida era mais leve, os problemas existiam mas não eram preocupantes. Eu sempre soube que tudo ia passar. Não existia culpa. Eu não pensava no futuro, mas sim sonhava com as várias possibilidades.

Hoje estou naquele futuro.

E é interessante me dar conta de que sou mais ou menos como em alguns daqueles sonhos, com a consciência que eu desejava ter, o dia-a-dia que eu imaginava, as capacidades que eu previa, os afetos que me valiam, enfim. Percebo então que tudo são frutos colhidos, nascidos de sementes plantadas outrora.

Nada contra o meu presente. Acontece que sinto ter perdido aquela característica de aprendiz. O futuro agora é planejado em seus mínimos detalhes, sem sonhos, sem imaginação, mas sim com metas a serem alcançadas, e punições para o que deixar de ser conquistado. Todos os erros me levam a julgamentos e condenações capazes de mudar, interromper, e até proibir todo o percurso já traçado.

Tudo é decisivo. Acabaram-se as várias possibilidades. A vida já foi plantada e agora é permanente. As raízes se entranham pelo chão com cada vez mais força e velocidade. Parece ser um caminho sem volta, sem escolha.

Onde está meu erro? Na semente? No adubo? No terreno? No esforço (ou na falta dele)? Será possível derrubar essa árvore, arrancá-la pela raiz e cultivar outra a partir de uma nova semente?

Porque o futuro que eu vejo à frente é uma sucessão de pagamentos, prestação de contas de um passado recente e um presente mal vividos. Onde estão as novas chances, as ponderações? Será que os erros atuais são mais pesados, mais valiosos que os do passado? Será que esses castigos impostos são realmente necessários? Será possível apagá-los, abandoná-los ou ponderá-los mais uma vez, dar-me uma nova chance?

Antes tudo era tão divino! Não era eu que mudava o ar, mas sim o ar que me mudava, que me embalava, me levava. Eu não intervia, eu não decidia nada, apenas vivia o que estava por vir. E sonhava.

Hoje o ar pára enquanto espera minhas decisões. E é capaz de me faltar se eu demorar muito.

Tudo me aguarda, nada chega, nada acontece se eu nada fizer.

É preciso cuidar da própria vida, pagar as contas, estar em dias, cumprir os prazos, atingir as metas, aceitar os desafios, medir palavras, gestos e até pensamentos! E, ainda por cima, saber que a solidão, a maior de todas as punições, o pior de todos os castigos, está a espreitar por qualquer brecha, sem ser vista, apenas sentida por uma dor no peito impossível de se descrever.

Será possível ser diferente?

Thursday, October 14, 2004

Homenagem póstuma

Lembro-me como se fosse ontem.

Eu tinha nada mais do que 14 anos de idade. Era o meu primeiro ano na escola técnica. A professora de português nos disse que iríamos fazer um seminário sobre dois livros. Um deles chamava-se "Os restos mortais", de Fernando Sabino. Li o livro todo numa única tarde de tão fixada que fiquei na história!

Como tarefa para o tal seminário, precisávamos pesquisar sobre a biografia do autor. Foi aí que, ao saber de sua vida, sua história e os livros que escreveu, me tornei fã de Fernando Sabino.

Não demorou muito e li "O Encontro Marcado". Eu era uma criança descobrindo o universo! E Fernando Sabino mostrava-me naquelas letras, a verdade que eu descobriria mais tarde, protagonizando aventuras semelhantes às vividas por Eduardo Marciano. Aquela parecia a história de todos nós...

Com o tempo descobri que ele, além de novelista e romancista, também era cronista, contista... Então aquele texto que li quando criança - "Conversinha mineira" - e ri tanto! Era ele que tinha escrito... Descobri que o admirava muito antes, mesmo sem saber.

Eu queria ver o mundo como ele via, eu queria escrever como ele escrevia... Eu queria amigos tão ilustres quanto os que ele teve... E lia-o cada vez mais para poder viajar e me sentir integrante daquele mundo que não me pertencia.

Aos 17 anos escrevi minha primeira carta para ele. Mas não enviei, tamanha era minha timidez. 2 anos depois, criei coragem e postei a carta juntamente com alguns de meus escritos. Qual não foi a minha surpresa quando algum tempo depois recebi uma resposta: um bilhete com elogios às minhas letras e livros dele autografados de presente. Hoje, esse material é relíquia em meu quarto...

Finalmente lágrimas caem de meus olhos... Me dou conta que não poderei alimentar o sonho de um dia encontrá-lo, de continuar a me corresponder com ele, nem de apreciar as novidades que ele nos trazia ainda em vida. O "Livro Aberto" fechou-se. Mas, ao mesmo tempo, me conforto sabendo que ele nos deixou um mundo de palavras como herança. Sua obra é sua memória eternizada!

Há quase 10 anos, Fernando Sabino entrou na minha vida e nunca mais me largou. Em meu blog, nossos nomes agora se confundem: "O Caçador de Borboletas" são suas palavras e minhas palavras ao mesmo tempo. A manutenção deste site é a homenagem permanente que presto ao meu escritor favorito. Espero, agora, ser digna desta responsabilidade...

No dia 12 de outubro ele faria aniversário. Tantas vezes dei-lhe os parabéns em pensamento... Mas agora, apenas desejo-lhe:

- Vá em paz, Fernando Sabino!

Fernando Tavares Sabino
* 12/10/1923
† 11/10/2004

P.S.: Essas palavras são insuficientes para demonstrar o meu lamento, mas deixo-as aqui, como registro do que tentei expressar.

Monday, October 11, 2004

Os meus 3 lares - III

E para finalizar, do terceiro lar eu sou filha desgarrada... Por outro lado, também faço o papel da boa filha que "sempre à casa torna".

Minha escola

A História diz que na época da segunda guerra mundial, os militares americanos instalaram ali, naquele prédio, o seu Posto de Comando em Fortaleza. A sigla "PC" era pronunciada "pici" pelos soldados gringos. E esse acabou sendo o nome do bairro que surgiu ao redor da base militar. E, com o fim da guerra, o "PC" acabou virando universidade.

Curiosidades à parte, é ali, na Universidade Federal do Ceará, campus do Pici, onde eu também travo verdadeiras batalhas, lutando contra o cansaço, o sono, uma sutil mas onipresente desmotivação, e vou também em busca da "vitória" de algum dia possuir o título de Engenheira de Produção.

Limites, derivadas e integrais de funções com várias variáveis; Normas regulamentadoras; Teoria da probabilidade; Métodos computacionais de cálculo numérico; as 19 macrovariáveis interconectadas no sistema de contas nacionais do Brasil...

Essa é uma pequena amostra do que o futuro engenheiro de produção aprende durante a faculdade. Apesar de eu não ser um exemplo de aluna, e deixar muito a desejar em meu desempenho, tento jogar com as cartas que tenho para ir levando o curso. Já estive melhor do que hoje em dia. Mas também já estive pior...

Os três anos de convivência minha lá, rendem muitas histórias pra contar. A única parte boa em repetir de ano são as amizades que se adicionam, e outras se intensificam mesmo não havendo mais aquela proximidade diária. Aliás, não é dentro da sala que os amigos surgem, mas sim fora dela: nos intervalos, uma aula vaga ou nos churrascos e baladas que a turma combina.

E assim se repetem as minhas noites: depois de um dia inteiro de trabalho, já são dezenove horas e eu chego no campus atrasada, como sempre. Caminho pelos corredores que já são bem familiares para mim, cumprimento alguns colegas que sempre estão ali nos banquinhos no começo dos blocos, e entro na sala de aula discretamente, para não atrapalhar a aula que já se iniciou há meia hora atrás.

No final, volto pra casa, ou não. Mas geralmente é no campus do Pici onde encerro o meu dia urbano. Depois dali o ciclo se reinicia: um novo dia surgirá e meus três lares preencherão meu tempo novamente.

Até mais!